Wednesday, November 21, 2007

Capítulo 16

aaaa Sim, à minha maneira hesitante e desastrada, estava a fazer toda a espécie de descobertas. Uma delas foi a da impossibilidade de ocultar a identidade com o recurso à terceira pessoa, assim como a de a estabelecer unicamente por intermédio da primeira pessoa do singular. Outra foi: não se deve pensar diante de uma página em branco. Ce n'est pas moi, le roi, c'est l'autonome. Não eu, mas o Pai existente em mim, por outras palavras.
aaaa Exigia grande disciplina conseguir que as palavras pingassem sem as abanar com uma pena ou mexê-las com uma colher de prata. Aprender a esperar, a esperar pacientemente, como uma ave de rapina, mesmo que as moscas picassem, desalmadas, e os pássaros chilreassem como loucos. Antes de Abraão era... Sim, antes do olímpico Goethe, antes do grande Shakespeare, antes do divino Dante ou do imortal Homero, era o Verbo, e o Verbo estava em cada homem. O homem nunca careceu de palavras. A dificuldade só surgiu quando o homem obrigou as palavras a fazer acrobacias. Ficai quietos e aguardai a vinda do Senhor! Apagai todo o pensamento, observai o movimento silencioso do céu! É tudo fluxo e movimento, luz e sombra. Que haverá de mais parado do que um espelho, do que a petrificada vitrescência do vidro? E, no entanto, que frenesi, que fúria, a sua superfície parada pode reflectir!


Nexus
Henry Miller
Trad: Fernanda Pinto Rodrigues

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