Sunday, September 30, 2007

Capítulo IX - A Ópera

(...)
— Esta peça — concluiu o velho tenor, durará enquanto durar o teatro, não se podendo calcular em que tempo será ele demolido por utilidade astronómica. O êxito é crescente. Poeta e músico recebem pontualmente os seus direitos autorais, que não são os mesmos, porque a regra da divisão é aquilo da Escritura: «Muitos são os chamados, poucos os escolhidos». Deus recebe em ouro, Satanás em papel.
— Tem graça...
— Graça? — bradou ele com fúria; mas aquietou-se logo, e replicou: — Caro Santiago, eu não tenho graça, eu tenho horror à graça. Isto que digo é a verdade pura e última. Um dia, quando todos os livros forem queimados por inúteis, há-de haver alguém, pode ser que tenor, e talvez italiano, que ensine esta verdade aos homens. Tudo é música, meu amigo. No princípio era o , e do fez-se , etc. Este cálice (e enchia-o novamente), este cálice é um breve estribilho. Não se ouve? Também não se ouve o pau nem a pedra, mas tudo cabe na mesma ópera...


Dom Casmurro
Machado de Assis

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